segunda-feira, 27 de setembro de 2010

DEVANEIO nº 23: Reta Final


Como eu disse abaixo, algumas coisas me apurrinham nestes tempos eleitoreiros.
  • Entendo o que meus professores dizem quando reclamam do fato de que só por que somos (ou seremos) Cientistas Sociais temos que ter opinião formada sobre tudo (concordo também com Raul Seixas nessa hora);
  • Só por que tenho um posicionamento partidário “polêmico” e não me envergonho em divulgá-lo, meu casco fica todo alvejado.
Este ano em especial algumas questões estão claramente postas e eu fico sempre matutando. A cada indagação externa me indago internamente também para ver até que ponto meus posicionamentos são sólidos e/ou coerentes.
Coitados dos que me lêem foram pegos para teste. (rs...)

Algumas reflexões, então:

1) Ainda vivemos sobre o “mito vindouro da MUDANÇA”. E talvez a Direita nunca tenha pronunciado tanto esta perspectiva quanto agora.
E por quê?
Por que a mudança tão pronunciada desde sempre neste país, aquela mesma (ou similar) adiada em 1964 começou a ser feita. Claro que não de forma rápida e revolucionaria como queria a extrema-esquerda, mas começou!
E a mudança quando sai do discurso incomoda principalmente àqueles que não a desejam, como é o caso da corja oligárquica. Por isso falam em mudar. O que na verdade significa dizer que desejam reverter um processo que se iniciou e se mostra bastante promissor (ver Devaneio nº21).
 Devemos ter claro em mente o país que queremos e suas possibilidades reais de se concretizar. Nossa DEMOCRACIA está em franco processo de aprimoramento, tanto em seus aspectos formais como também valorativos.
Por este motivo também que aposto no projeto do “continuar mudando”.

2) É óbvio também que ainda não alcançamos o país que supomos querer, então o que significa “continuar mudando”?
Significa justamente ampliar este processo de ascensão, inclusive (e principalmente) popular, pelo qual o Brasil passa. Minimamente: o estabelecimento da Poliarquia. Porém, quando digo que nossa democracia tem se aprimorado, é por que aqui não precisamos restringir os meios de Participação e Contestação como única e exclusivamente representados pelo voto.
Já possuímos mecanismos muito mais sofisticados para tal. Trata-se de ampliá-los...fazê-los cumprir...e sobre tudo ocupá-los.
Espaços Públicos...Bolsas quaisquer...Desenvolvimento econômico (estável)...Educação...etc...etc...tudo precisa ser ampliado e melhorado, mas confio no ritmo que tem ocorrido.
O Brasil nunca foi tão de TODOS quanto agora. Inclusive dos banqueiros! Antes só era deles e de seus amiguinhos.

3) A este terceiro questionamento eu não tenho resposta nem argumentos concretos e plausíveis por hora formulados, mas esta foi uma questão que não saiu de minha cabeça, sobretudo nessa campanha: “por que o assistencialismo das religiões se traveste de caridade e alguns Programas estatais (no cumprimento do seu dever) são tidos como assistencialismo?”.
No íntimo talvez eu até tenha o caminho para responder, mas prefiro não utilizar argumentos que ainda são de vidro.



DEVANEIO nº 22 - Hoje

O dia da eleição se aproxima a passos galopantes, já faz dias que estou querendo regurgitar algumas inquietações que sempre me apurrinham nesta época, mas sao tantas coisas que nao consegui organizar sistematicamente num texto. 

Por isso, resolvi vim por aqui "hoje" só para uma dica musical.
Ainda nem terminei de lhes trazer os comentários dos discos da RoRo, mas um CD em especial tem me encantado nas últimas semanas.
Trata-se do Álbum "HOJE" de Gal Costa lançado em 2005.
As musicas, em sua maioria de compositores jovens e pouco conhecidos, são uma delicia de se ouvir.
Muitissimo agradavel.
Recomendo!!!

Abaixo, segue video de uma das canções do disco (que também transformou-se em show e DVD)


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

DEVANEIO nº 21: É isso aí!

A GRANDE INVERSÃO - Daniel Aarão
Publicado em O Globo em 7 / 09/ 2010


A disparada de Dilma Rousseff nas pesquisas de opinião pública tem suscitado interpretações diversas.
Duas constatações mobilizam os comentaristas: a primeira é a popularidade do governo, atingindo patamares de quase unanimidade, se computados como favoráveis os que avaliam o desempenho de Lula como ótimo, bom ou regular. Depois de oito anos, trata-se de algo raro.
A segunda constatação é a capacidade de transferência de votos do presidente. Também não é algo comum.
O comum é o inverso. Líderes de expressão nem sempre conseguem “fazer” os sucessores. Isto se deve, em parte, à vontade deles mesmos, por medo que os herdeiros possam obscurecer sua liderança, apagandoos da história. Leonel Brizola era craque nisto: nunca elegeu um sucessor, embora saindo de governos com alto índice de popularidade.
O mesmo aconteceu na sucessão de FHC. Embora desgastado, foi notório que ele preferia transferir a faixa presidencial ao líder operário, mesmo porque estava convencido de que a gestão deste seria um fracasso, favorecendo, quem sabe, a sua volta ao poder. No entanto, mesmo que os líderes o desejem, a transferência de votos nem sempre se dá, ou se dá de forma tão parcial que os herdeiros perdem as eleições.
Ora, o que surpreende nesta campanha eleitoral é a capacidade de transferência de votos de Lula para Dilma. Esta era uma personagem desconhecida em termos eleitorais. Sua vocação era outra: a de servidora pública, empenhada na gestão de empresas estatais ou planos de desenvolvimento.
Assim, quando Lula sacou o seu nome e o apresentou ao distinto público, não faltaram análises de que o homem não queria eleger o sucessor, no caso, sucessora.
Escolhera um nome destinado a uma derrota eleitoral honrosa, evitando sombras em sua popularidade.
Mas não foi isto que aconteceu.
Lula investiu na herdeira, pessoalmente e com a máquina pública. Os resultados não se fizeram esperar e até agora espantam os analistas.
O que dizer destas evidências? Os mais simplórios, como sempre, denunciam sombrias manipulações.
É uma velha cantilena, de direita e de esquerda. Quando o eleitorado não acompanha suas propostas é porque está sendo manipulado. Para a velha UDN, era Vargas o grande manipulador.
Para as esquerdas, depois da ditadura, era a TV Globo que orquestrava as mentes. A conclusão é sempre a mesma: as pessoas não sabem votar.
Multidões passivas, despolitizadas, idiotas! Idiota, no caso, é a interpretação, incapaz de compreender a complexidade do processo histórico.
Uma outra linha interpretativa foi importada de análise feita nos EUA a propósito da eleição de Bill Clinton.
Um gênio teria formulado a frase: é a economia, seu estúpido! Queria dizer com isto que o eleitorado estadunidense estaria votando de acordo com seus interesses econômicos. Como Clinton falou, e muito, do assunto, ganhou as eleições com folga.
Transportada para o Brasil, a tese poderia ser assim traduzida: as classes populares, na grande maioria, estariam votando com o bolso, ou seja, como os governos de Lula as beneficiaram economicamente, elas tenderiam a manter uma fidelidade canina ao benefactor.
A análise não é destituída de fundamento.
Com efeito, os interesses econômicos são um ingrediente importante nas escolhas de qualquer eleitorado. Mas, se o ser humano não vive sem pão, sabe-se também que “nem só de pão vivem os humanos”.
A hipótese que sustento é que a aprovação do governo Lula e a sua inusitada capacidade de transferência de votos residem num processo mais profundo: o acesso progressivo das classes populares à cidadania.
Lula é a expressão maior disso. Ele é visto como o político que promoveu como ninguém este acesso. Isto tem a ver com bens materiais, sem dúvida.
Mas há outros bens, simbólicos, mais importantes que o pão nosso de cada dia. E é isto que as direitas raivosas e as esquerdas radicais não percebem. As pessoas comuns, desde os anos 1980, e cada vez mais, começaram a achar graça nas instituições e nas lutas institucionais. Política, assunto de brancos ricos, começou a ser também de pardos, negros, índios e brancos pobres.
Esta é uma novidade óbvia, senhores e senhoras das elites brancas (a expressão é de Cláudio Lembo, líder conservador). Se Vossas Excelências puserem o ouvido no chão, talvez sejam capazes de ouvir o tropel que se aproxima. Se olharem para o mar, vão ver o tsunami que vem por aí. Na história desta república, só antes de 1964 houve coisa parecida com o que está ocorrendo agora. Entretanto, na época, os movimentos populares queriam muito e muito rápido. Não deu. Veio o golpe, paralisou e reverteu o processo. Agora, não. A multidão come pelas bordas, com paciência e moderação, devagar e sempre, mas a fome destas gentes é insaciável.
Quando as pessoas comuns compreendem os benefícios da democracia, querem para elas também. É raso imaginar que tudo se esgota no pão.
O pão quentinho é gostoso, quem não gosta? É mais do que isto, porém: os comuns querem a cidadania. Plena.
Querem jogar o jogo político como gente grande, como antes só os brancos ricos faziam. Uma grande inversão.
Vai dar? Não vai dar? Veremos. Mas uma coisa é certa: não vai ser tão fácil deter esta onda.